Wednesday, November 09, 2005

LEILOEIROS
E quem dar mais?... É um, é dois e é três, vendido!
Cada vez que estamos participando de um “arraial”, ouvimos essa frase repetida infinitas vezes nas vozes dos nossos leiloeiros, esse personagem de fundamental importância na venda das prendas que são oferecidas como pagamento de promessas dos devotos de um santo ou para as candidatas a rainha da festa.
Gente criativa, que não só vende, mas, acima de tudo dar vida aos arraias. Tem o jeito todo especial de cativar, empolgar e motivar as pessoas para comprarem e a se sentirem bem. Ouvir seu nome nos microfones desse artista da palavra é sentir-se valorizado. Gente que mexe com palavras, que mexe com a gente, cutuca com elas a vaidade humana, criando sentimentos de satisfação, de vitória, de frustrações, de perdas, de derrotas.
Sem nomes definidos, geralmente conhecidos por apelidos, como “Sem Fim”, “Lamparina”, só para citar o nome de dois; eles invadem as comemorações de padroeiros da Amazônia com o seu modo particular de homenagear o santo padroeiro do lugar. Inventam termos, criando palavras sem nenhuma lógica de linguagem, mas, que todos entendem e sabem o querem dizer. Esses dois citados acima se definem como “Uma Dupla de três”, “KLB” (Ki Lapa de Bucho). São os leiloeiros.
Nessa linguagem de caboclo doido, vão misturando a realidade com a fantasia, comparando personagem das novelas que estão no seu auge com pessoas ali presentes. Brincando com o defeito físico ou uma parte do corpo de alguém. Dizendo algo do cabelo de um, da roupa de outro, chamando atenção para o modo de ser de um terceiro e tudo isso sem machucar, sem se comprometerem. Sempre criando um clima onde as pessoas querem ficar, porque gostam de ficar. E vão vendendo, leiloando: galinha assada, pato no tucupi, bolos, pudins, cachos de pupunhas, cachos de bananas, farinha, pirarucus, tambaquis, tartarugas, tracajás, porcos, bois, pequenos barcos de enfeite, móveis. Às vezes acontecendo de alguém dar uma prenda, arrematar e doar de novo para ser feito novo leilão do arrematado.
Nesses últimos anos com o advento da Internet se multiplicam os sites que fazem leilões on-line, onde qualquer pessoa que tenha dinheiro e esteja conectado na rede através de um computador, em qualquer parte do mundo pode dar o seu lance. Leiloa-se de tudo. Os lances são feitos através de plásticos, fios, da tela, do cartão de crédito e são contados em memórias virtuais. Não existe relação humana, o som da palavra falada, cantada, o toque e a satisfação da entrega.Mesmo com a Internet, são muitas as casas de leilões pelo mundo afora, de coisas caras, bens, jóias, objetos de arte de grande valores. Todas elas com seus leiloeiros de boa aparência, bem vestidos e perfumados; gente com responsabilidade de arrancar milhões dos freqüentadores endinheirados que não tem preocupações e nem sabem o que fazer com tanto dinheiro, na sua maioria gente que herdou grandes fortunas. Leiloeiros que funcionam quase como robôs, com suas vozes metálicas, sem jogo de palavras, sem brincadeiras, sem encantamento, sem vida.
Já no mundo dos santos protetores da Amazônia; o que seria da festa deles sem o leiloeiro? Com certeza mais triste. Como seriam os leilões? Com certeza uma venda formal, coisa de supermercado, fria, sem contato humano. Era ir para o arraial, chegar lá sentir falta de algo e voltar para casa com um sentimento de ausência, de perda. E em casa o vazio das palavras iria falar, gritar de algo perdido, algo que está na lembrança, no mais profundo do ser.
Por isso suas vozes continuam a ecoar, fazendo poesia, se misturando ao canto dos pássaros, formando o coral da floresta, desafiando o modo triste e frio de vender puramente comercial.
E quem dar mais?... É um, é dois e é três, vendido!

Tuesday, October 11, 2005

Seca
Esse ano estamos vivendo uma grande seca, fazia anos que nossos rios não secavam tanto, com isso vivemos um tempo diferente no nosso mundo das águas. Junto com a ausência do precioso líquido o tempo está em temperaturas altíssimas. São várias as coisas acontecendo pelo verão quente e seco.
Muitas cidades estão isoladas, sem transporte. Se o mundo amazônico já é marcado pelo seu isolamento, essa marca cresce com nossa principal fonte de transporte vazia. Nos municípios mais distantes de Manaus onde os principais gêneros para sobrevivência já são caros com transporte normal, imagine com a ausência de água. Coisas como café, açúcar, sabão entre outros tem seus preços nas alturas.
Duas outras são as marcas desse tempo, uma delas é o aumento de diversas doenças, tendo a malária alcançado número nunca antes visto. Além de doenças respiratórias, avança um novo vírus, o “Rota Vírus”, causando vítimas fatais. A temperatura alta também tem deixado suas marcas na saúde dos amazônidas, seja pelo grande números de vítimas de ‘derrame’ (acidente vascular celebral), como por aqueles que tem sua ‘pressão’ com dificuldades de controle.
Outra marca deixada por esse tempo de seca e de altas temperaturas está sendo na natureza. O número de queimadas é sem precedente. Os mercados e feiras vivem abarrotados de peixes de toda espécie, pela pouca água nos rios, eles são presas fáceis. As espécies mais prejudicas são: o peixe boi e o pirarucu, uma vez que são denunciados pelo seu tamanho, as vezes até encalhados nos lagos rasos onde procuram se alimentar.
A seca é um fenômeno normal da natureza, que obedece os ritmos de baixa e cheia dos rios, as vezes fazendo com que um ou outro tempo desse ciclo se desregule. Nossas ações depredadoras na natureza tem contribuído para que tempos como esses obtenham mais relevâncias e mais prejuízos. Com certeza depois desse tempo passado, estaremos mais doentes, nossa natureza mais pobre e a nossa principal cadeia alimentar (nossos peixes) mais esvaziada.

Wednesday, May 04, 2005

Filho de Boto
O sol nascia e parecia que naquele dia nascia mais devagar, como uma criança saindo do útero da mãe. A ‘menina do interior’ com a mão na água sentia toda frieza que a temperatura da manhã trazia. Era seu aniversário, 13 anos, havia uma dor no pé barriga, não sabia o que era, algo errado no seu corpo. Uma coisa tinha notado, desde que chegou na tábua de lavar, havia por ali por perto um grupo de botos, geralmente eles não vinham assim tão perto, mas hoje, estavam ali, estranho, pensou!
Os botos brincavam, se exibiam, dava a impressão que queriam dizer alguma coisa a ela, acostumada àquela vida, não ligou muito para aquele espetáculo. De repente foi sentindo uma coisa quente no meio das pernas, se assustou, passou a mão, viu sangue, será que estava doente? Tinha se sentido tão bem esses dias, a dor tinha começado no começo da noite de ontem, um medo percorreu todo seu corpo. Os botos continuavam seu show cada vez mais animados.
Segurando a cuia se inclinou para pegar água, quando sentiu um peso pelo lado do seu corpo, caiu na água e foi sendo levada, arrastada pelos botos, cada um mais animado do que o outro, com os seus focinhos tocavam seu sexo ensangüentado, era uma sensação diferente, tentava nadar, já começava se afogar, eles em cima dela, eram fortes, nadavam rápidos, urfarvam excitados, ela também se sentia excitada, seus corpos no dela, tocando seu órgão genital, quando de repente tudo escureu.
Naquele ano o ‘coordenador da comunidade’ tinha certeza, seria uma das melhores festas de São Pedro que eles viveriam, estava quase tudo arrumado, o andor do santo, o barco que levaria o santo, as bandeirolas, o bar com muita bebida, as galinhas assadas, os bolos e o conjunto que ia animar a festa; e todos na vila estavam contentes, afinal de contas, o padroeiro da comunidade tinha mandado muitos peixes para eles, fazia tempos que eles não tinham pescaria tão boa. A hora já avançava, a gente das comunidades vizinhas já começavam a chegar, é hora de arrumar as últimas coisas. Pensava porque o padre não vinha, só aparecia ali atrás de dinheiro e olhar para a mulher de todo mundo!
A ‘menina do interior’ despertou, sentiu o corpo um pouco doloroso, viu que estava um pouco mais abaixo de onde se encontrava a tábua de lavar, foi para lá, tinha que lavar a louça, hoje havia muitas coisas a serem feitas, era dia de festa do padroeiro, sabia que seria animada, queria que tudo estivesse pronta e fazer dessa festa a melhor de todas, melhor do que a das outras comunidades. Hoje também sentia que seria o dia em que o ‘rapaz do interior’ e ela iriam dar seu primeiro beijo, vinha esperando esse momento já faz tempo.
O ‘coordenador da comunidade’ não sabia bem o que fazer de tantas coisas a serem feitas, corria para cá, para lá e tudo ia fazendo, a procissão tinha saído quase tudo do jeito que planejavam, não foi melhor porque a cachorrada achou de fazer aquela briga toda, logo naquela hora, mesmo no meio de todo mundo. Estava alegre com o movimento de tanta gente. Um pouco longe, avistou o barco de um ‘homem da cidade’, gente importante que vinha chegando; a festa ia ficar melhor ainda, com autoridade presente, a festa é outra história.
Com vestido novo e batom nos lábios, ela se sentia a rainha da festa, do outro lado do salão, o ‘rapaz do interior’, era só pavulagem, o orgulho de saber que aquela cabrocha, era a sua, o fazia o maior de todos; com o seu olhar, Rosinha fazia questão de afirmar os sentimentos do amado.
O barco do ‘homem da cidade’ atracou no porto, arrumaram a prancha e todos desceram; foram saudados animadamente por toda a comunidade, soltaram os últimos fogos que tinham. O ‘presidente da comunidade’, era só dentes, dizia a todos, vejam como a nossa comunidade é forte, até autoridade vem para nossa festa.
A comitiva do ‘homem da cidade’ se instalou num canto do salão, ocupando várias mesas e com todo seu poder, foi mandando servir cerveja à vontade para todos, arrematou galinhas, patos, tartarugas, tudo em homenagem a São Pedro, sabia que o padre ia ficar feliz com aquele dinheiro. Dando um giro com o olhar pelo salão, seus olhos encontraram uma belezura, linda cabocla, jovem, não podia resistir aquela beleza, menina nova era seu fraco.
Pediu para um dos seus puxas-saco que não medissem esforço, nem dinheiro para levar a menina ao camarote do barco e depois desse o sinal que ele ia descer para lá. Aí pela uma da manhã o sinal foi dado. A ‘menina do interior’ amanheceu mais ensangüentada do que no dia anterior.
Dias depois o pai da ‘menina do interior’ cai doente, com muita insistência da mulher, rumaram para a cidade, mundo estranho esse, depois de muito esperar, foram atendido pelo médico que disse, vai ter que ficar hospitalizado, antes que esqueça, essa é a receita dele e entregou na mão da mulher um papel com um monte de rabisco, que para quem não sabe ler não fazia nenhum sentido.
Com o papel rabiscado na mão e acompanhada pela filha, saiu do hospital em direção a farmácia. Só veio, a saber, quanto custava o valor daqueles rabiscos quando o moço disse o preço dos remédios, meu Deus, uma fortuna, e agora? Teu pai não pode ficar assim, precisa desses remédios, não conhecia ninguém que podia ajudar. A única idéia que veio na cabeça, foi ir na casa do ‘homem da cidade’, a filha não queria ir, mas foi convencida pela mãe, a vida do marido era a coisa mais importante para ela.
Chegando a casa, foi bem atendida pelo ‘homem da cidade’ que não tirava os olhos da filha, a mãe, colocou a situação e ele foi solícito, encaminhando a mulher para a farmácia mais próxima, calculando o tempo, teria meia hora com a pequena, seria uma eternidade de prazer. Saindo na direção indicada para comprar os remédios, aceitando a sugestão de que a filha podia ficar, estava tão pálida a pobrezinha, homem bom era esse. Devia se candidatar.
No terceiro dia do segundo mês depois de terem chegado da cidade a ‘menina do interior’ se sentiu mal, no desespero narrou aos pais o que tinha se sucedido com ela e os botos no dia da festa de São Pedro. Passado mais três dias, contou aos pais que estava grávida. No sétimo dia, todos na comunidade sabiam que ela está grávida do boto. Completados os nove meses, o filho do boto nasceu e tinha a cara do ‘homem da cidade’.

Wednesday, April 20, 2005

Amazônia, a última cruzada
O município de Coari encontra-se no centro do Estado do Amazonas. Ele é banhado pelo Rio Solimões na direção oeste e leste. Com seus 57.529 Km2, o município é maior que sete Estados brasileiros. A cidade de Coari situa-se na margem sul do Rio Solimões, na foz do lago de Coari.
Em 1986 foram descobertas pela Petrobras as primeiras jazidas comerciais de petróleo e gás natural na região do Urucu. Nos anos seguintes houveram várias perfurações com sucesso: Leste do Urucu em 1987, Sudoeste do Urucu em 1988. Carapanaúba, Cupiúba em 1998 e Igarapé Marta em 1990. Em conjunto, elas formam a província de petróleo e gás natural do Urucu.
O transporte de petróleo e gás é o principal problema a ser resolvido. A primeiro momento foi transportado em barcos petroleiros pelos rios Urucu e Solimões até a refinaria em Manaus. O próximo passo foi construir um poliduto e paralelo a ele, um gasoduto, de 280 Km de comprimento, na área de produção de Urucu, até o Terminal Solimões, do lado da cidade de Coari. Para isso foi derrubado um corredor de cerca de 50 metros de largura de floresta tropical primária.
O próximo passo que começa com um acerto entre o governo estadual e o governo federal para a construção do gasoduto Coari-Manaus no próximo mês de abril. Será uma obra de aproximadamente 400 km, se gastará US$ 393 milhões e será construído em dois anos.
O projeto Urucu faz parte da continuidade da abertura da Amazônia através de grandes projetos que ocorre desde as últimas décadas (Transamazônica, Carajás, Balbina, Calha-norte, entre outros). Eles são expressão de um pensamento de desenvolvimento que se orienta pelos hábitos de produção e de consumo dos países industrializados. Este tipo de desenvolvimento traz consigo conseqüências sociais e ecológicas de peso para a Amazônia e opõe-se à idéia de desenvolvimento da população tradicional amazônida.
É do conhecimento de todos o potencial econômico da Petrobras (em 2003, faturou mais do que a coca-cola) e da sua capacidade, pois tem pessoal capacitado e equipamentos de alta tecnologia com competência de implantar projetos ousados, admirados e respeitados.
Porém, existirão prejuízos que a Petrobras não pode prever e nem conter, como por exemplo: o prejuízo social (a cidade de Coari é um exemplo disso, na época da construção do gasoduto Urucu-Coari o que mais cresceu, foi o índice de prostituição); desmatamento, extermínio de micro-organismos e pequenas fontes (que alimentam os igarapés, lagos e rios), a fugas dos animais selvagens e dos peixes, principais fontes de alimentos dos ribeirinhos, pois estes verão-sentirão o seu habitat ser destruído. Essas perdas não têm preço e só quem vive naquele ambiente sentirá essas perdas e os donos do capital não moram lá.
Os ribeirinhos são os atingidos pelo projeto Urucu. Eles constituem a maioria da população em grandes partes da Amazônia, exceto nas cidades. No entanto, eles têm pouca presença na discussão política na Amazônia.
Leonardo Boff em um dos seus artigos aqui no site Adital, nos relata essa experiência: “Andando por minha rua, onde quase ninguém passa, contabilizei, em apenas 50 metros, 58 besouros mortos. Como não reparamos nesses nossos irmãos mais pequenos, pisamos neles e nossos carros os massacram. São Francisco se os visse mortos, choraria de compaixão”. Pois, eu digo se São Francisco choraria ao ver 58 besouros mortos, e se ele soubesse desse projeto da Petrobrás do gasoduto Coari-Manaus, e das plantas e dos animais que ali morrerão, morreria do coração!
Primeiro foram os nossos índios devorados pelas caravelas que movidas a sangue, singravam nossos rios, Marañon, Solimões, Amazonas e seus afluentes; logo em seguidas nossas tartarugas e peixes-boi, transformados em manteiga e óleo e vendidos a preços irrisórios; depois nossos peixes, engolidos pelas empresas pesqueiras que nunca saciaram sua fome e a agora o restante. Sem esquecer dos nossos irmãos nordestinos, que na Amazônia plantaram suas vidas no leite das seringueiras e delas brotou a ‘obra monumental mais bela’ nosso Teatro Amazonas. Amazonas, até quando serás fonte de cobiça daqueles que te exploram?
Tudo está sendo feito em nome do desenvolvimento, pois, segundo os entendidos de petróleo, o lucro será de milhões, mais quem de fato gozará desse lucro? A população ribeirinha, que é aquela que terá em suas terras, os tubos do gasoduto? Pela história que vimos até agora, parece que não, porém serão os mais afetados e os únicos que não gozarão desse lucro, mas que no final pagarão a conta.
E a natureza, frágil, indefesa, tombará diante da força destruidora do capital que numa fome insaciável, devora a selva, ‘capitalismo selvagem’, literalmente falando. É o império do consumismo com suas justificativas, que impera sobre a vida da floresta Amazônica, exuberante, de uma beleza e grandeza de encantos mil. Podemos terminar com as palavras do cantor que canta poetizando, profetizando, “é a força da grana que destrói coisas belas”.

Obs. A intuição do título: Amazônia, a última cruzada é que depois desse projeto, tudo será justificado, é pelo bem da nação (bem, de uma minoria), é pelas nossas metas; tudo será possíve!.

Tuesday, April 05, 2005

Diários de motocicleta – Um caboclo coariense em Roma
O filme “diários de motocicleta” de Valter Salles concorreu ao prêmio ‘Palma de Ouro’ em Cannes. O cineasta relata no filme a mitológica viagem de motocicleta que Che Guevara fez pela América Latina. O título do filme de Walter Salles poderia ser o nome do diário de um caboclo coariense em Roma ou do diário de um romano em Coari. O certo é que tanto um como o outro convive no seu dia-a-dia com esta realidade.
Já fazia alguns dias que pensava em escrever um artigo tratando da relação entre Roma e Coari, pois, quem nasce em Coari e vai morar em Roma ou quem nasce em Roma e vai morar em Coari, encontrará uma coisa comum nessas duas cidades, as motocicletas.
Tanto em Roma como em Coari, tivemos uma motocicleta símbolo. Coariense que tem entre trinta e quarenta anos se lembra com saudades da Yamaha 100, elas entravam em Coari, via Tabatinga; quem tinha se orgulhava da sua motoca. A mesma coisa acontece em Roma. Romano que tem mais de quarenta anos se lembra com saudades da lambreta Vespa. Cantada aí no Brasil pelo nosso rei do brega, Reginaldo Rossi... no fim do baile na minha lambreta...
A polícia federal veio, levou as Yamaha 100. A Honda invadiu a cidade com os seus modelos, principalmente a 125. Na primeira vez que morei em Roma, nos anos de 1996 a 1998, a Honda praticamente não existia por aqui. Retornando fiquei surpreso com a quantidade de motocicletas Honda, e sem falar na infinidade de modelos. Os modelos existentes em Coari não existem aqui, estando aqui olhando para lá, percebe-se que somos pobres para consumir a diversidade de motocicletas que são colocadas no mercado romano e que às vezes na hora de comprar se chega a ter dúvidas qual é a que eu mais gosto, a mais bonita, a mais charmosa, a mais potente, a mais prática, nessa hora o bolso fala muito.
Como é bom ter uma moto nova, ficamos orgulhosos dela, e com ela vamos cortando as ruas coariense, sentindo no rosto o vento que vem do lago, pureza da natureza; algumas motos duram toda a vida do dono. Em Coari quanto mais a moto dura, mais ela prova sua resistência, mais é boa, como costumamos dizer. Em Roma já não é assim, o mundo do consumismo não permite que uma pessoa fique longos anos com a mesma moto e nem que um outro compre uma moto com a kilometragem alta, só restando um futuro para a moto, o ferro velho; porém, para colocá-la no ferro velho se paga e muitas são abandonadas pelas ruas. Andando pela cidade é muito comum ver motos sem donos. Abandonadas!
Roma cidade eterna, programada para cavalos e carruagens, por isso não tem garagens e são poucos os estacionamentos; ruas estreitas e becos estreitíssimos. A moto por ser pequena entra em qualquer espaço; deste modo se torna prática, fácil de ser usada. Nos grandes cruzamentos, na hora da volta do trabalho para casa, quando o semáforo troca o verde pelo vermelho, são dezenas e dezenas de motos a esperar a nova troca do vermelho pelo verde. Assistir este momento é ser transportado de Roma para Coari, tudo se transforma em saudades.
Na mudança das idades da adolescência para a juventude, seja o coariense como o romano, o objeto de desejo mais sonhado é a moto. Acelerar, peito aberto ao vento, se sentir livre, num vôo, é que a vida está a se abrir diante de si. Uma ragazza* – uma cabocla na garupa de uma moto é sempre uma ragazza – uma cabocla em Coari, em Roma ou em qualquer lugar do mundo. Acelera ragazzo** – acelera caboclo.
* moça em italiano
** rapaz em italiano